domingo, 16 de maio de 2010

Musée du Quai Branly | Paris



Um dos mais novos museus parisienses já chegou causando polêmicas.


Projetado por Jean Nouvel, ele é fortemente criticado pelos museólogos, por ter seu projeto desconsiderar o acervo que nele seria introduzido, o que, segundo eles, seria a forma correta de fazê-lo.


Mas, numa visita ao museu, percebe-se que não é só ai que se concentram os problemas. Antes de entrar no espaço expositivo você tem, como em quase todos os museus de Paris, a opção de pegar um audioguia. Desta vez preferi fazer a visita sem ele e peguei um pequeno folder, com uma visita indicando os principais pontos a serem vistos. Chamava-se: "The exhibits guide: guide to explore the collections".


Divido aqui a crítica em duas partes: forma e conteúdo.



ASPECTOS ESPACIAIS - FORMA



Entrando na exposição, com alguma dificuldade de descobrir onde começava esse tal roteiro indicado, me deparei com uma estrutura que imita pedras de uma caverna pré-histórica. Porém a imitação acaba caindo no falso, no fajuto, já despertando uma certa incredulidade sobre o que lá é mostrado. Parece um daqueles parques infantis em que, para a criança não importa se é uma imitação de pedra, ela vê como só mais um brinquedo ou artefato. Ou seja, não agrega nada ao espaço, só poluição visual.


Pegando o percurso indicado já surge a primeira dificuldade: Tentando ler o texto em inglês e descobrir o lugar no mapa, vejo que o mapa dificulta muito a identificação das vitrines nas quais se localizam as peças. Me perdi várias vezes no percurso.


Não bastasse isso, o mesmo museu que te dá um folder para ser lido durante a visita esquece que, para ler qualquer coisa, você precisa basicamente de luz. Apenas luz. Porém, lá é quase impossível ler qualquer coisa, tornando a visita desconfortável e angustiante. Mas, persisti.


Diante desta dificuldade, percebi que os focos de luz são nos objetos. A supervalorização dos objectos em detrimento do conteúdo é clara. Esse é o tipo de exposição que a museóloga Marilia Xavier Cury chama de estetizante.


Neste tipo de exposição o autor pega um objeto "lindo", joga uma luz, chama um arquiteto para desenhar uma vitrine linda e pronto, está construída a exposição. Não tem um exercício de linguagem, que seja inteligível para o público e que o leve a ver algo além do objeto. Neste caso há, sem duvida, uma supervalização do objeto e uma desvalorização do público que frequenta o museu.


Existe também um sem número de legendas tentando amenizar essa falta de linguagem não verbal. Legendas mal iluminadas, escritas em vidros e refletindo as luzes focadas nelas. Muitas ilegíveis tamanha a reflexão. Além disso há uma estranha confusão: todas as legendas e textos da exposição tem como língua base o francês. Mas por vezes, em alguns textos o curador resolveu se lembrar que Paris é uma das maiores cidades turísticas do mundo e colocou alguns poucos textos em inglês.


Mais estranho ainda, é descobrir que, outros estão também traduzidos para o espanhol. Não consegui encontrar um lógica para tal, pois nem todos os textos espanhol estão na região que se refere a países que falam esta língua. E mesmo que estivessem, é relevante perguntar: cada povo se interessaria somente pelo próprio umbigo? Claro que o interesse maior do visitante é quando ele se identifica com a exposição, quando vê algo de seu, que remeta ao seu povo, a sua cultura. Mas... eu vou até Paris para ver apenas a minha cultura e não saber o que acontece no resto do mundo? Se a curadoria acha que sim, o museu deveria seguir a mesma lógica para todas as culturas, colocando textos na smais variadas línguas.



ASPECTOS CURATORIAIS - CONTEÚDO


Voltando ao percurso expositivo, nele você tem a possibilidade de percorrer os 5 continentes e suas culturas. Ele mostra uma variedade de objetos. A intenção da exposição não é declarada, mas pelo tipo de objetos mostrados me parece que a intenção curatorial era mostrar as culturas por meio dos ritos e rituais que todas tem. Todas as culturas, das diversas partes do mundo, apesar da distância geográfica e de talvez nunca terem tido contato, apresentavam alguns tipos de rituais, em especial os de casamento, cura e enterro de seus mortos.


Claro que esta intenção não é declarada e fica a critério do visitante interpretar da maneira que lhe convém. Uma conhecida que foi ao museu antes de mim, disse que o que o museu mostra é que todas as culturas tem objetos em comum, mesmo não se conhecendo, como máscaras por exemplo.


Eu portanto acredito que o que una os objetos são os rituais. Mesmo as máscaras, da dita conhecida, estão dentro de um contexto ritualístico. As máscaras poderiam ser utilizadas para rituais de cura, guerras, enterros, entre outros.


Percorrendo todo o museu, chego enfim, ao Brasil. Claro que a grande curiosidade é ver como o nosso país é mostrado, em meio a peças tão ricas de milhares de anos de história do mundo. Num primeiro momento, quase morri de vergonha. Analisando mais um pouco, surgiu uma certa indignação. E por último, perdi a credibilidade na exposição como um todo. A suspensão da incredutilidade, tão desejada pelos cenógrafos e curadores, foi abalada.


O que eles apresentam do Brasil é vergonhoso. Acredito que um museu de antropologia deveria sair do lugar comum e procurar mais a fundo sobre uma cultura. O museu apresenta umas duas dúzias de peças que são basicamente compostas por objetos toscos indígenas. No ápice, apresenta um lindo cocar. Todos os objetos são do final do século XX e início XXI.


Em contraponto com civilizações em que parece ter havido alguma pesquisa arqueológica, aparecem cocares e pequenos objetos indígenas. Tive a clara impressão de que algum francês resolveu passar uma semana no Brasil, foi até a aldeia indígena mais próxima e comprou uma dúzia de objectos para expor "as civilizações do Brasil". Junto com isso fez um filme tosco de algum ritual indígena também e colocou lá, de forma a reforçar o lugar comum.


Há também na exposição uma meia dúzia de peças do candomblé. Mas não se anime. São peças mal feitas, mal acabadas, que parecem também compradas de alguma criança do Pelourinho.


Assim me pergunto: mesmo que os europeus considerem que, a nossa história tenha começado somente depois que eles descobriram o nosso território, é só isso que a cultura tem a mostrar? Um país miscigenado e rico nas mais variadas culturas e rituais tem apenas meia dúzia de cocares e peças indígenas? Mesmo o indígena é mostrado como um primata, incapaz de produzir objectos razoavelmente elaborados.


Uma vez no Museu da Casa Brasileira fui a uma exposição de bancos indígenas em que cada um apresentava um design e texturas próprios. Lindos e com certa elaboração. Ou seja, mesmo no lugar comum - o índio - ainda havia muito o que ser explorado.


Não é difícil imaginar porque o resto do mundo imagine que ainda andamos de tanga. Sendo assim, volto triste para a minha Taba, tendo a certeza de que um dos mais novos museus de Paris não peca apenas pela forma, mas também pelo conteúdo.


Não estou dizendo que não valha a visita, mas o visitante deve perceber algo além do impressionante espetáculo cenográfico deste museu e refletir a respeito do que vê, sem ilusões.



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